"O Escafrandro e a Borboleta"
Quando comecei a assistir “O Escafandro e a Borboleta” (Le Scaphandre et Le Papillon) esperava ver uma história de superação na mesma linha contada em muitos outros filmes. Logo, preparei-me para um pouco de tristeza, um pouco de comédia, uma carga de drama e a volta por cima no final. O fato do paciente em questão ter sido editor da revista Elle francesa contribuiu para eu acreditar que iria ver um pouco de moda, também.
Minha surpresa começou pela
abordagem: o filme é todo apresentado sob a ótica de Jean-Dominique Bauby, logo
após ele acordar do derrame sofrido por um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e
perceber que seu corpo estava paralisado da cabeça aos pés. Jean-Do, como ele era
chamado pelos amigos, se deu conta de que estava consciente de tudo, porém sem capacidade
de comunicação, exceto pelo movimento de seu olho esquerdo. Com a ajuda da fonoaudióloga
Henriette, ele aprendeu a comunicar-se piscando esse olho e passou a transmitir
suas impressões e pensamentos para os que estavam próximos. É sob essa ótica
das piscadelas, da sua perspectiva de enxergar o quarto, o hospital e a paisagem
de Becker-sur-Mer que assistimos ao filme.
Quando desiste de ter pena
de si mesmo, ele decide escrever um livro sobre sua história, utilizando a
imaginação e a memória de sua vida como fontes de inspiração. Num esforço de
extrema vontade (da parte de Jean-Do) e de paciência (pela parte de Claude, a
jovem contratada para passar os pensamentos dele para o papel), nasce o livro
que deu origem ao título do filme: O escafandro (escolhido por causa do corpo
inutilizado de Jean-Do) e a borboleta (numa referência à sua grande imaginação).
É um filme inspirador, sem
ser apelativo. Tem um toque de fina ironia, por conta dos pensamentos e ‘respostas
imaginárias’ que Jean-Do dá para algumas perguntas ou frases dos membros do hospital;
mas tem muita tristeza, pelo drama pessoal daquele que foi um editor importante
a quem resta viver num estado vegetativo numa cama ou numa cadeira de rodas. A
parte que inspira é à força de vontade com que ele se dispõe a ‘ditar’ o seu
livro, numa tentativa de pedir perdão a algumas pessoas, como a Céline, sua
ex-mulher, e aos seus filhos, a quem ele julga não ter dado a atenção devida
quando podia fazer isso. É uma mensagem para quem vive protelando as coisas
importantes da vida ou deixa de falar e fazer coisas boas para às pessoas que
ama, enquanto se tem saúde e energia para fazer isso.
Algumas curiosidades sobre
Jean-Do:
- Ele passava os verões da sua infância em Becker-sur-Mer, uma cidadezinha próxima de Calais (como autora deste blog, por razões óbvias, já me animei para visitar o lugar quando retornar à França);
- Adorava restaurantes elegantes, onde pudesse saborear ostras (particularmente, prefiro outros frutos do mar, peixes em geral e bacalhau em particular);
- Era ateu, mas visitou Lourdes, forçado por uma namorada, devota de Nossa Senhora (eu visitei Fátima no ano passado, acompanhando colegas das aulas do ISCTE);
- Era apaixonado pela obra de Alexandre Dumas, “O Conde de Monte Cristo”, a ponto de se preparar para escrever a mesma história sob a ótica feminina (eu li, assisti e adorei esta obra de Dumas); e,
- Curtia a leitura de Balzac (eu li “A Mulher de 30 Anos” quando tinha 20 – risos!) e Graham Greene (“Fim de Caso” é o meu livro favorito dele).
“O Escafandro e a Borboleta”
foi lançado em 2007 e dirigido por Julian Schnabel. No elenco, Mathieu Amalric
(brilhante como Jean-Do), Emmanuelle Seigner (Céline), Marie-Josée Croze
(Henriette), Anne Consigny (Claude), Patrick Chesnais, Max Von Sydow e Niels
Arestrup. Ganhador de 2 Globos de Ouro (filme e direção) e de melhor direção no
Festival de Cannes, o filme recebeu 4 indicações ao Oscar e foi muito elogiado por
público e crítica.
Jean-Do faleceu 10 dias depois da publicação do seu livro, em 09/03/1997. |
"Somos todos crianças. Precisamos de aprovação" (Jean-Do)
Fotos: Divulgação
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